O Impacto do Primeiro Contato na Evolução das Civilizações V

por Cássio Siqueira

Afinal, o que é “civilização”?

Novamente recorro ao dicionário online[2]:

  1. Conjunto das características próprias da vida intelectual, social, cultural, tecnológica etc., que são capazes de compor e definir o desenvolvimento de uma sociedade ou de um país.
  2. Condição daquilo que se encontra em avanço; desenvolvimento cultural; progresso.
  3. Tipo de sociedade e/ou de cultura que se desenvolve a partir da influência de um povo, numa certa época, cujas características específicas serão transmitidas às gerações que se seguirão: Civilização Maia.
  4. Estado ou condição daquilo que se conseguiu civilizar.
Mas como esse fenômeno se inicia? Qual seria essa “centelha primitiva” que se propagaria em uma cultura e que resultaria em uma sociedade civilizada? Em uma de minhas redes sociais, surgiu uma pergunta que acredito vir diretamente ao encontro dessas questões. O internauta perguntou “Se a vida é um jogo, quais são ou onde estariam as regras?”[3], uma bem-vinda provocação que procurei responder de forma fracionada, por raciocinar que a quantidade de regras varia de acordo com o meio em que nos encontramos e com nossos objetivos pessoais, que acredito estarem submetidos a três grandes centros de atração: vida individual, vida social, e vida civilizada. As regras do primeiro nível são bastante simples, limitando-se à manutenção da saúde e eventuais tentativas de inseminação sem compromisso. Já no segundo nível, a complexidade e número de regras variam de cultura para cultura, e em nossa sociedade (sudeste do Brasil) têm como base principalmente, mas não exclusivamente, os Dez Mandamentos de Moisés. O terceiro nível é o mais complexo, e pessoalmente acredito que abranja também tudo o que a humanidade vem aprendendo em sua jornada pela existência. Falo aqui da filosofia e da ciência, que completariam uma espécie de trindade que considero como fundamento de civilizações juntamente com religião. Todos enfatizamos mais este ou aquele nível (vida solitária, social, ou civilizada) no decorrer de nossa vida, mas arrisco dizer que quanto mais nos preocupamos com o bem estar do outro, qualquer espécie que o outro seja, mais civilizados somos. Como não se pode mensurar esse tipo de preocupação, proponho que consideremos que indivíduos são tanto mais civilizados quanto maior for o tempo gasto em sua formação escolar; com a importante ressalva, sob risco de incorrermos em determinismo[4], de que “mais civilizado” não implica necessariamente em “ser melhor” que outras pessoas, grupos ou civilizações, como facilmente podemos observar ao longo de nossa história[5].

Agora que já apresentei ao leitor minhas leigas impressões sobre o assunto, continuo na tentativa de responder sobre o que seria civilização reproduzindo as percepções e interpretações de uma polêmica antropóloga sobre fatos concretos por ela observados. Em recente artigo[6] de Adnelson Borges de Campos:

…um aluno perguntou à antropóloga estadunidense Margaret Mead[7], falecida em 1978, qual era o primeiro sinal de civilização em uma cultura. (…) a antropóloga respondeu que foi a descoberta de um fêmur quebrado, depois cicatrizado.

Segundo Mead, o laboriosamente misericordioso comportamento de cuidar de alguém que tenha sido impedido de prover o próprio sustento no mínimo estabelece, embora de forma pouco palpável, um dos pioneiros sinais de civilização. Viajantes interestelares poderiam procurar por esses sinais em populações que viessem a encontrar, mas o acaso pode não favorecer esse tipo de observação. Uma forma de contornar esse problema é proposta no pesado “The Empath”[8] da série Star Trek, no qual seres poderosos infligem sofrimento para analisar as reações de outras espécies. O episódio choca justamente porque se reconhece o pragmatismo da ação, mas nossa cultura tem por hábito submeter propostas de ações a valores éticos e morais, prática aparentemente inexistente nos torturadores.

Outra opção seria buscar por sinais mais concretos de civilização, como os existentes em nosso próprio planeta: Göbekli Tepe[9] é até agora a mais antiga construção já encontrada erigida em um perene e coordenado esforço coletivo sem finalidade prática alguma salvo a de, provavelmente, render homenagens a deidades. O dilatado tempo necessário para sua construção, a necessidade de trabalho conjunto e coordenado entre diferentes grupos, e os objetivos do monumento – provavelmente altruístas – demonstram razões e ações um passo além das típicas habilidades sociais observadas em grupos de caçadores/catadores de até então. E a idade de aproximados 12.000 anos do sítio arqueológico mostra o quão recente é o fenômeno civilizatório quando comparado ao tempo de existência da raça humana (veja mais sobre o tema no artigo o berço da civilização[10]). Para que se tenha uma ideia das proporções de tempo de que estamos falando aqui, considere que em nosso planeta o fenômeno “vida inteligente civilizada” precisou de aproximados 4,5 bilhões de anos para se desenvolver; os 12 mil anos de civilização podem quase ser desprezados nessa continha rápida.

O fator crítico aqui é que temos apenas pouco menos de 1 milhão de anos para migrarmos para outro planeta sob pena de sermos extintos pelo ciclo de vida de nosso Sol. Esse tempo representa apenas 0,02% da existência de nosso planeta, um período incomodamente curto para sermos percebidos por qualquer exocivilização. E nossas ondas moduladas de rádio, o mais claro sinal de vida inteligente para extraterrestres, ainda sequer chegam a somar 100 anos de existência, com um alcance de igual dimensão em anos-luz contados a partir de nosso planeta. Estatísticas não parecem mesmo favorecer o surgimento de espécies interestelares pelo universo, como veremos a seguir.

Na próxima semana: Quantidade de Civilizações em nossa galáxia

Notas

[2] 
https://www.dicio.com.br/civilizacao/ em 18/09/2020.

[3] 
https://pt.quora.com/Se-a-vida-%C3%A9-um-jogo-quais-s%C3%A3o-ou-onde-estariam-as-regras/answer/C%C3%A1ssio-Siqueira em 04/10/2020

[4] 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Determinismo em 04/10/2020.

[5] 
Para citar apenas um exemplo de nossa história recente, consulte “Neocolonialismo”: https://pt.wikipedia.org/wiki/Neocolonialismo em 04/10/2020. Na ficção, leia “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, obra que teria dado origem ao inspirado “Apocalipse Now”, de Francis Ford Coppola.

[6] 
http://www.gazetainformativa.com.br/um-simples-osso-cicatrizado/ em 18/09/2020.

[7] 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Margaret_Mead em 18/09/2020. Vale notar que o inovador olhar de Mead sobre o comportamento de adolescentes em sociedades ainda não convertidas ao cristianismo permanece um tópico de acalorado debate até os dias de hoje.

[8] 
https://en.wikipedia.org/wiki/The_Empath em 18/09/2020.

[9] 
https://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%B6bekli_Tepe em 18/09/2020.

[10] 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ber%C3%A7o_da_civiliza%C3%A7%C3%A3o em 18/09/2020.

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